Prelúdio
Distinções são importantes em relação a algumas palavras. A palavra vazio, por exemplo, padece de má interpretações. Existem pessoas vazias de sentido, existe o vazio do estômago, há a sala vazia. Entretanto, o Vazio, conceito presente em algumas assertivas místicas e religiosas, é de uma complexidade inexorável. É o Vazio do silêncio profundo de um minuto meditativo, que se eterniza milagrosamente na pausa e plana sobre ela. Qualquer pessoa que já tenha experimentado tal estado, mesmo que por um minuto, sabe de seu arrebatamento. A atualidade está viciada no cheio, e, batendo na mesma tecla, continua a sofrer de falta de significado, sentido, vislumbre. Não sabemos para onde estamos indo, mas temos a vã ilusão que detemos esse conhecimento. E algum controle. Avançamos num tempo de dor, desamor, e tudo se suporta menos o Vazio. Queremos preenche-lo com ilusões, paixões, eletrônicos, palavras inúteis, contatos físicos, relacionamentos, falsos amigos, dinheiro, causas, religião. No entanto, a maioria de nós não suporta um minuto só consigo mesmo. A maioria de nós não tem coragem de entrar em contato com a Arte que não se vende, não se compra, a Arte que nos transmuta em espiral de energia, da terra ao céu. Amargura não há. Não há tristeza. Nada há. Esse Vazio não exclui encantamento, encontro, criação. Ao contrário, enquanto possibilidade de contato direto com a Fonte, nos presentifica no Sopro, nos materna no emoliente, nos permite a sensação doce de pisar o solo, nos transforma. Cada experiência É, em si, um momento e um lugar supremo. Cada momento cabe uma vida inteira. Um retorno à criança que nos habita. Nela, o ancião também vive, o invisível atua, o visível é realmente visto, a comunicação e a criação estão em movimento. A impermanência é olhada nos olhos tal qual a chama tremulante de uma vela. O destemor é possível. Quando o Vazio se instala, há uma certa crise de abstinência, porque temos vício em emoções extremadas. Vício em saber o que acontecerá nos próximos instantes e não viver o instante que passa. É raro ficarmos no instante que passa. Ainda assim, sem uma gangorra emocional para agarrar, sem a necessidade de nada, o Amor Eros e o Amor Ágape estão em pleno vigor. O Vazio não os sobrepõe. Pairar sob o Amor, deixar-se impregnar. Ser ornada de amor e silenciar quando o coração vibra, reverbera e atinge a tudo que existe. Somos então Um. Da mesma forma que um recém-nascido é o todo, em prazer e dor, tal qual é entregar-se ao Amor e vivenciar o Vazio. Parece paradoxal, mas não é. São caminhos paralelos que se encontram num instante mágico. Um sublime mistério.