O amor é um não-saber

Diz-se que o amor Eros, com suas fortes doses de projeção, inebria. Dá-nos a sensação de flutuação, tira-nos do eixo. Como ansiamos por esse embaçar de olhar, esse “não sei que”, essa ilusão. É difícil negar essa experiência, rechaçá-la; quando fazemos, resistimos, ela atormenta. Quando a vivemos, cegos, ela pode nos partir. Partidos, podemos verter lágrimas e deixar Deus-a entrar. Não há como fugir dessa ventura. Pode haver no amor um desejo de salvar o outro, de tirá-lo de algo que ele deseja, manifesta, anseia. Um caminhar para o outro de costas para si mesmo. Perguntar-se: “quem ama quando amo” é desafiador. Porque talvez seu Ser mais verdadeiro não esteja lá. Esteja vagando, como Eco buscando Narciso, sem jamais haver comunicação possível. O risco de aprofundar-se no questionamento de olhos abertos e corpo atento é que, talvez, através dele, não sobre algo que pareça merecer a alcunha amor. Mas amar é, verdadeiramente, experiência multifacetada nas brincadeiras do tempo. Vejo antigas poesias, que escrevi em vários momentos e penso que meu eu lírico refletia tudo que desejo viver nessa aventura de amar. Mesmo os dissabores, as esperas, as ilusões, as criações de um anseio, valeram. Nada a lamentar. Ansiar é viver no futuro, é querer antever os movimentos da vida, é amiga do controle. Aprender o Amor é sabê-lo Presença, mesmo quando mostra seu lado tenebroso, ou, ainda pior, quando aponta para um nada, para a rejeição, o não retorno. E, se não construímos um Eu que é só nosso não podemos Ser Nós, seremos só laço frouxo, como diz a música do Chico Buarque. Porque Amor requer Amar-se. E é certo que podemos nos perder de nós mesmos por uma das faces do eternamente paradigmático Amor. Talvez por isso, pelo desafio a qual nossa alma é exposta, ele seja tão maravilhoso e assustador. A solitude é amiga, mas nunca desejamos ser sós. Estar junto ensina. Estando juntos nos aprendemos. Entretanto, nos folhetins que ainda hoje fazem milhões, precisar do objeto de amor, viver para esta ideia é chamado de verdadeiro sentimento. O outro torna-se então o objeto de desejo. Só na inteireza de Si pode-se encontrar e vislumbrar o ser amado como um sujeito e a coluna de pura energia que nos intermedeia; esse é o outro entre dois seres que não buscam fusão, mas discernimento. Essa coluna de fogo entre duas pessoas inteiras aponta diretamente para o Divino, para a centelha divina que pulsa em tudo que há. Ousar “olhar-se” quando o silêncio da alma acaricia. Um silêncio profundo, mesmo em meio a palavras. O fado de Amar é tornar-se Amor. Nessa terra, o racional, como o entendemos na nossa pós-modernidade, não pisa. Não há explicações. Não há projeções, ou, elas vêm, mas não permanecem, fenecem diante de força da veracidade. Uma luz que não ofusca, mas nem todos estão preparados para “Ver” e Viver. Então é um milagre que desafia todas as patologias, todas as repetições, todos os padrões. Não há proteção que valha deixar escapar tal furacão, tal força da natureza; antes, escapar pode nos fragilizar para sempre, deixar-nos descrentes e temerosos. E para a vida e para as coisas inerentes do viver é necessário construir-se destemido. Ser amor requer coragem, inclusive a coragem que reconhece o medo e segue mesmo assim. Entregar-se é profundamente mágico e tenebroso, um mergulho no abismo. O amor é um não-saber, um convite ao profundo de nós mesmos.

Inspiração: a vida, Carlos Drummond de Andrade, Pablo Neruda e o livro “O Essencial no Amor” de Jean-Yves Leloup e Catherine Bensaid.