Guardiã
Controle, velho conhecido. Parei a observar sua existência de forma compassiva e há muita liberação nisso. Sei que deixei de brincar, deixei de colocar coisas para fora pela ilusão que ele proporcionava, que nem minha era, mas hoje reconheço a utilidade de seus movimentos. Sinto-me hoje menos controladora justamente por ter reconhecido sua face positiva – transbordante e intensa que sou, se ele não existisse, o que poderia ter sido? Como fogos de artifício teria explodido, ou teria fugido para os lugares alienantes. Hoje a entrega é mais possível que ontem por conta de ter olhado essa quimera nos olhos... o controle causou dor, mas não foi só isso que ele me legou. Os julgamentos, ah, esses ainda me assombram a noite, mas a voz ácida que me corroia os ouvidos, me queimava, agora apenas tenta, fugidia, me acordar. Teimosamente digo, não vou! E eles vão embora da forma como vieram. Agora há linimento para a dor que me consumia – aceitação. Não vou, portanto, a lugar algum. Não há para onde ir, nem perguntas para responder. Entretanto, quando se faz necessário, uma urgência do coração receptivo, abando-me para dançar só, atenta ao ritmo e compasso do Tempo Kairós. Percebo as palavras não ditas de outrem, ouço suas vozes mudas... emudecidas, mas não quero mais provar nada, então deixo ser. Quando a palavra urge e se forma em minha voz, permito-lhe a existência – um mito recriado no poder das horas. Entretanto, sinto-me guardiã de minha integridade, leal ao Ser que sou, como jamais tinha sido. Em lugar de alegria polianesca, essa atitude me traz uma agudeza, um cheiro que penetra, uma seta. Entrego-me então. Entrego-me ao não saber, entrego-me ao rio que sou, não me afogo em mim como ao buscar partir cabelo ao meio... deixo a vida ser como jamais soube. Entrego-me à graça do invisível sagrado ou sagrado do invisível. Nada busco. Súplica não há nesta entrega, ela é vívida, como uma criança. Nua como um ser da floresta, que confia. A entrega da qual falo cabe na minha história, não é de outro, é minha. A minha entrega. Ao corpo e à alma, ao áspero e ao macio, ao fluido e estático. À luz e a à sombra. Na roda, estou guardiã de minha lealdade, sem armaduras, mas destemida, sensível e forte. Encaro minhas carências, sim, são muitas, mas não há só falta, há presença, há encontro, há um movimento circular que nada reduz, mas a nada se apega – pausa, paira, plana. Como guardiã de mim, tenho-me apreço. E mereço. Mereço receber. Isso é realizar vida, é obter prosperidade, é vibrar o presente, aceitá-lo na sua impermanência, finitude, fragmentação e maravilha. Quero, sem nada reter, deixando passar, na aventura de Ser.