ILÓGICO

Talvez se esquecesse a métrica Ficaria a vontade Para falar em poesia Para dizer o que sinto Para definir o que penso

Uma lágrima Um caso de amor Meu amigo é o silêncio Um sonho, um canto Um toque mais lento Um lamento E parto para o meu mundo

E se meu sonho calasse E se minha boca falasse Se eu soubesse dizer o que sinto O que dói e o que minto

Um desejo de vida Despedaçaram a flor E tocaram meu pranto Um campo ao vento, acalanto Meu mundo Meu sonho Meu canto

E a métrica que criei Não é lógica, não tem sentido Retrata o meu íntimo E fala meu segredo E cala no meu céu O tempo que já passou A pedra que já rolou E tudo o que não vai voltar

AO PASSADO

Faço poesia de vida vazia Alimento lembranças de madrugadas Faço sonetos de alma atormentada Luta em espírito Sonhos em movimento Nuvens intransponíveis E o olho que vigia está dentro de mim Quero seguir, quero ficar Tenho medo de ir E não ter para onde voltar Assusta e arrefece Palavras ao vento Pensamentos enquadrados Crônicas de uma vida quotidiana Feliz, perfeita, bonita Transformação efêmera Válida, fugidia, longínqua Livre caminho, caminho livre Invenções do bicho homem Poder, domínio, natureza, magia O homem quer O homem sonha O homem entristece Segue sem viver o seu desejo Porque quer Porque pode Porque tem

PARA FERNANDO, MEU AMIGO Fluidas conversas de fim de tarde Aprendi a aprender Gôsto pelo viver sem julgar Gôsto de tocar sem se envolver Sabendo e querendo diluir mensagens Sabendo saborear impossíveis paisagens Prazeres longe de culpa Dores longe de medos

MÚSICA DA DIFERENÇA Música que toca para cada sentir Se transforma num novo pulsar para cada ser Como amar com dois corações Todas as partes são verdadeir**as Mas cada face tem um tom Cada tom toca a diferença Presente em todos nós Sentimentos incompreensíveis Verdadeiros e cortantes Queremos saber Ousamos sonhar Mas nada de agir Dizer é a grande aventura Arrebatamentos Ousadias Ilusões Mentiras Para cada um, diversos sentimentos E nenhum de nós sabe o que é o amor

SONETO DA SENSAÇÃO

Que segredo é esse que invade Sem aviso e sem perdão Deixa a respiração suspensa E o ar pleno de saudade

E você não responde Não tenho como chamar-te Minha voz não te alcança Talvez o pensamento venha a encontrar-te

Mas a vida é de surpresas Teia de momentos Suor de corpos, prazer, luz, movimentos

Lembrança guardada num corpo puro e são Dor esquecida, saudade renovada E de novo... a sensação

TARDE NA BIBLIOTECA

Sala fria Beleza morta Luz refletida no despedaçar Símbolo partido Pulsar flamejante Ruído e paixão

Frio conteúdo Beleza vívida Partes fechadas na sala vazia Luz impedida Chão inseguro Cujo rumo aguarda partidas

Ondulantes marcas Beleza solta O salto do mundo é a volta de tudo Clave amarela, terra absurda Sombras transformadas em luz

YIÁ

A mãe do tempo anda sobre os mares A mãe do tempo tem o poder de criar, faz viver mas pode matar A mãe do tempo que possui o manear do líquido A força do mar O profundo do próprio abismo O abismo próprio do silêncio A mãe do tempo que acaricia seu pássaro E o faz voar para longe de tudo E o faz voltar com segredos insondáveis E o tempo que é dela Não tem fim ou começo Vai em todas as direções Vai nos ermos e nos clarões É um tempo imemorial Um tempo sem tempo E essa mãe sorri e o observa Ela mistura o bem e o mal É aquela que não procura porque sabe Que não deseja porque já possui Vive onde nada está Nada na luz de todas as manhãs Espreita a noite, sua irmã Atinge corações temerosos e corajosos Seu poder transmuta e faz nascer Firme como as árvores Forte como chão Ninguém a olha nos olhos Mas ela está no brilho do olhar

Soneto dos Erros

Nem sempre há luz Soltos os planos, sem um destino Começo a achar que é bom errar Que só acertos a nada conduz

Viver, sem esperança e sem medo Andar, também sobre chãos inseguros Pensar, para não perder o controle Com consciência que a vida não é/é brinquedo

Viver não é útil/inútil Morrer é certo Errar não é caminho fútil

Correr para a viagem Deixar a vida ter passagem Solta, livre e tão sutil que parece miragem

Soneto sem esperança

Cada dia que passa Sem volta, sem nada Cada folha que se solta No vazio da estrada

Lembra você, puro movimento Lembra a mim de sua doçura Sem nos dar forçado envolvimento Sem tirar surpresas da nossa loucura

Viver o presente, ilimitada aventura Plenitude, silêncio e tranqüilidade Espera da próxima eternidade

Essa espera sem esperança Acalma um ardor febril Mas em cada momento traz mais lembrança

Soneto aos Oboró

Há que se começar pelo senhor dos caminhos Exu, o um, o primeiro, aquele que vai e vem Depois Ogum, seu irmão, guerreiro, ferreiro Que tem nas palavras feitiços do além

Oxóssi, está na mata e nela usa seu ofá Ossain, senhor das folhas e de sutil caminhar Omulu, transmuta em ouro tudo o que toca Com o seu xaxará

Oxumarê, o arco-íris, a cobra Olho de um rio no Daomé Ifá, o advinho, que protege a quem tem fé

Oxalá e seu opaxorô, surge do mundo do jamais Senhor do branco, poderosa árvore Sublime conhecedor de todos os portais

Soneto para as Iyabas

Nanã, a mais velha, a soberana Com seu ibiri ninando o tempo Oxum, faceira, útero de vida Em seu reino cujo rio rola a seu contento

Iemanjá, a mãe dos filhos peixes Que traz alimento de seu rio/mar Oyá, rainha dos ventos e de outros elementos Se for seu desejo, pode se transformar

Ewá, bela virgem das contas vermelhas Tão misteriosa e pouco conhecida De seu arco-íris traz promessas de vida

Obá, desconfiada e guerreira também Divina nos seus passos ritmados Mas com sua espada não teme ninguém

Soneto do sentir incerto

Tua figura antes nítida Tragada para longe, se faz pálida Por que não luta e volta? Desfolha-se então em rosa cálida

Tua figura antes constante Agora é rara, sussurro na noite Não és mais, ai de mim, sonho brilhante Opaco, ainda presente, sua falta não é mais açoite

Como explicar que mesmo assim Amorfo, incerto e tão duvidoso Rareado e amiúde ainda estais em mim?

Como saber se não é subterfúgio Desse amor que me toma e do qual fujo Para que eu possa descansar de mais um prelúdio

Para Xangô

Num reino distante desse mundo Na imaginação viva que o tempo criou Houve um líder de poder profundo Sua justiça muitos atravessou

Dono de um fogo de grande esplendor Ele dança o alujá com muita energia Um rei entre reis, de pura magia Oxê, seu machado, possui seu ardor

Perguntam se é encantado ou se aqui viveu Dizem que é força que a natureza produz Mas se aqui andou, limites não conheceu

Tem uma coroa de raro brilhar Espargindo luz para quem sabe olhar Xangô, rei que aprendemos a cultuar

Soneto do amor desconhecido

Dizem que é mais difícil Esquecer um amor que mal conhecemos Deixar de pensar no que não sabemos Que tentar tal coisa é vão sacrifício

Um amor como esse desconhecido De tão incerto e sinuoso Os desejos que traz, desejos de gozo Supera a lógica, desmente o sentido

Amor explosivo e flamejante Não nega a morte, não se esconde Brilha nos olhos tal qual diamante

Medo não há em tal sentimento É cego, intrépido e pulsante E sempre novo, é sempre momento

Soneto sem sentido

Tenho tentado dizer-te adeus Mas a palavra e o pensamento teimam em não sair O tempo, esse Deus, do qual não podemos fugir Tem sussurrado realidades nos sonhos meus

Mesmo assim, tendo nele meu companheiro Fazendo rolar lágrima escondida Sinto-me tão encontrada e tão perdida Querendo estar aqui e no mundo inteiro

Com tal sentimento, tão desencontrado Não há, entretanto, nada de amargo É belo, é denso e há um quê de dourado

Por isso, só o Tempo há de matar Esse sentir que tenho Mesmo que lento, com certo vagar

Cachoeira

Subindo a ladeira de terra batida Avisto uma Igreja no alto Branca, velha e esquecida Penso quantos orações suas paredes guardam Quantos nela já choraram males de amor Quantos já clamaram milagres e curas Sento num canto qualquer Na soleira da porta de alguma mulher Casas simples, com suas fotografias pintadas Lembrando um parente que ninguém sabe mais quem é Casas juntas, lado a lado Na ladeira que vai dar no Rosário Naquela se cozinha, noutra se espera Ouço músicas, vozes e sento ali Meu rosto estranho, meu cabelo brilhante Chama as crianças Vem um olhar, outra perguntar Daqui a pouco, são 5, 10 e mais De todas os matizes que o Brasil tem Naiara, Alana, Vitória, Marinho, Neto... Tantos rostinhos Todos igualmente vívidos Delícia de olhar Um pede desenho: eu quero trem, eu quero flor... E vibram com os meus traços Mal sabem eles que aquele singelo instante Que fugiu de sua mente no mesmo dia Ainda hoje, quando lembro, me enche Da mesma suave alegria

A folha

Caminho de ir Por uma estrada torta Com um vento por companhia Brisa leve ou ventania Carregar as folhas que já se soltaram E vagam secas no meu caminhar Olhar para frente e para o imenso Olhar para o presente imerso nos próprios passos É ali que se instala e segue adiante Sem saber se perto ou distante Procurar venturas no desbravar Expansão externa, tão importante Expansão interna, tão dolorosa Lugar tão belo e oscilante Da folha que teimou em se soltar

Óleo perfumado

Há no meu corpo um sinal De surpresa, de calor e desejo De algo que veio num lampejo Gravando na pele símbolo sem igual

Tenho no meu íntimo um tempo Próprio, solitário e sedento Quer se esquecer e ir-se solto Para desprender tal sentimento

Solto e livre, já não há como ir Para onde partir, se onde quer que se esteja Está esse enroscado devir

Então é no aqui e no hoje Que esse amor vive e se alimenta Seu saber sempre se reinventa

Amor sem fim

Como dizer que o amor acabou? Não há como acabar se já se fez Algo belo se expande, muda, dá sua vez Transforma o mundo que o transformou

Se é amor dura todo o presente Nem tanto com a mesma face Pode envolver num só enlace Beleza, desejos e ter a posse ausente

Amor é algo que só aumenta Não como queremos ou sabemos Mas como ele próprio se inventa

Com sua magia e seu ondular Espectadores dele nos surpreendemos Luz e sombra no nosso despertar

Verso 36

Não há mais palavras Entretanto, continuo plena de sentimentos, que me rondam como uma música que se pode tocar Como um mar, acariciando e sendo acariciado, tornando-me esse ser que transborda Tenho impressão que já disse tudo numa sutil e irritante educação Já coloquei meu coração para ser devorado e aproveitado Porque seu proveito seria o meu proveito Não importa se é fragilidade ou imaturidade Quero, e não sei se isso é amor Quero, com uma urgência sem par em minha vida Uma vontade desconhecida, que não compreende lógica, medo ou orgulho Essa sou eu! Sim, sou geniosa e apaixonada pela vida e por todos os riscos que ela possui Minha ponderação acaba onde começa a angústia Porque não nasci com a tendência do angustiado, eu sou a que quer agir sem saber que é assim Refreada de início, com medo das conseqüências, Mas quando o presente se dá Esqueço qualquer arrependimento Não sou explicável, não sou fácil ou meiga Sou visceral, egoísta, fútil Quero ser adorada em vida e temo ,bem lá no fundo, a morte Mas esse temor não paralisa, só movimenta por dentro, transforma-me em tormenta Traz tempestades de desejos tórridos, ardentes e fluidos, que não me deixam dormir Não sei como isso vai acabar, ou se é só meu íntimo procurando movimento Quero parar de sentir ou explodir disso, e que essa explosão seja vista em tons e matizes ínfimos pelos amantes que passam Talvez daqui a alguns meses ou dias, quiçá horas, venha a achar tudo isso ridículo e pueril Mas agora, é pura expressão de um pedaço meu, fruto das minhas entranhas, que exponho para tentar esquecer É meu vinho que te ofereço Sorva-o e delicia-me, fuja e agita-me por dentro De qualquer forma, beberemos à vida, por sua aventura profunda que não se repete

Oração

Meus Deuses são os D’África Chegaram aqui por dolorosos caminhos Se reinventaram em vários cadinhos Numa fé bela e iniciática

Quem os procura, os descobre em viagem interna Se vê, vê seu eu e sua cor Descobre, e é aí que há sabor Que do íntimo dá pra ir aos confins da terra

Um espelho mágico, desconcertante Brinca com a bela e a fera, natureza Deparamos com o pulsar da terra, penetrante

Esses Deuses são mágicos e travessos Estão dentro e fora, perto e distante E nos fazem enxergar sob véus espessos

Ventos no espírito

Que Oxalá dê a acurada paciência para saber quando ir e quando vir Que Nanã dê profundidade para sentir e para sonhar Que Oxum dê perícia para experimentar sem ferir Que Oya dê coragem para fazer o que desejar Que Xangô dê senso de justiça, bom proveito dela para todos nos Que Omulu dê saúde, ouro e sapiência Que Oxumarê, com seu arco-íris, encha minha vida de brilho Exu, o Senhor do Poder, me dê o ditado de volta Que ele volte para mim envolto em cores e alegrias Que eu aprenda com os fatos e com os atos Comigo e com o próximo Com os livros e com os ditos Com revelações e segredos Com o igual e com o diferente Com o sério e com o irreverente Amo e sou amada Quero e sou querida Almejo e conquisto Aprendo com a caminhada Sem medo da morte Sem medo da vida Sem medo de mim

Assim seja

Hoje

Depois de dançar para meus ancestrais Que ainda não consigo nomear Nem localidades, nem dessas coisas práticas... Que teimamos referendar Eu os senti Eu os vivenciei Quem ousará dizer que não Pois os experimentei pulsando Senti meus pelos se ouriçando... Depois de tão sagrado instante Fui beber Fui reviver vãos tempos Fui falar da vida e da bela vaidade, das bobagens... Fui rever a beleza dos pequenos cotidianos Pequenos vidros quebrados de todo momento Re-expressar palavras já ditas Revisar seus significados São as tais representações... Dancei, vivi, bebi minhas lembranças. E vi que o vislumbre de nós não precisa ser nada

Corusco

Nem sei que nome te dar, já que não levamos a cabo nossas possibilidades Sei que houve ou há amor, não dos mais fáceis e maleáveis, mas dos mais difíceis e conturbados. Nossas diferenças, tantas tantas, sempre foram e sempre serão surpresas Nunca fui muito boa em testes, sempre me perdi tentando testar algo que mesmo eu não suportava em mim Como nos enganamos fugindo ao amor... Ele sempre está lá, mesmo que dele não façamos conta Mesmo que dele façamos subterfúgios nem sempre verdadeiros de nós mesmos Mesmo que tenhamos nele refúgios inculcados de nossas crendices Mesmo que tenhamos a impressão que dele podemos tomar controle Ele não é controlado, não pode ser Porque tem que nos ensinar, porque tem que nos aprender Por tantos caminhos já caminhei para esquecer de momentos Agora, neste instante, paro de tentar, não quero esquecer Quero lembrar, quero desencavar, quero des-cobrir Quero mais é viver grandes amores dentro deste amor Porque é grande, é enigmático, é forte e vivificador Traz brumas de cores tão díspares, traz um entorno de cirandas iluminadas De encruzilhadas enluaradas Traz um em mim tão transcendente e bizarro A sombra de um ser, que sempre está lá, que sempre me responde Num riso mágico se despede da minha lembrança para se transmutar em possibilidades Em devir Em dobras infinitas de indistinguíveis paisagens de nós, dos nós de nós, dos nós...

Lisianthus

Agora que já não me possuo mais na lembrança, através dela Posso falar abertamente da dor Sempre ínfima, íntima e constante Lembrando pedacinhos de tempo passado Águas cristalinas rolando pelo rio Rio cujo rumo daria onde não sei Já posso expressar o que senti a cada negativa Confirmando abandono Estendendo o adeus Num tempo sentido noutro tempo

Agora que a torre ruiu e é tempo de mudar Já posso contar dos desejos, dos suores, Dos sonhos emaranhados Do vício de lembrar Essa materialidade do adeus Torna cinza a tua carne e te espalha ao vento Como então te torna pó Seja transformado Alimentará outro, outros, outra vida Agora que aqueles momentos não estão mais aqui Nos quais o lembrar me trazia paz O esquecer me desnorteava O seu presente nos meus minutos Como se pudesse chegar a qualquer momento

Acabou Lembrança Esperança Amargura Sofrimento Ficou a doçura do vivido O preencher do esperado O tornar-se virou passado E das cinzas nasceu uma flor Ela é amarela; Ela é, sem dor