Etéreo Ancestralidade

Uma miríade de vozes fala no nosso sangue. Existimos porque diversas redes condutoras nos formam. Então, nos des-cobrirmos quando entre-ouvimos as vozes de nossa ancestralidade.

Numa concepção circular do tempo, no qual o grande passado atua com a mesma força que o presente, pulsamos pela vida; e a vida, entre outras possibilidades, nos impele a reverenciar os ancestrais, que, queiramos ou não, reconheçamos ou não, gostemos ou não, estão conosco enquanto ocupamos esta terra.

As redes de memórias se entrecruzam com experiências pessoais. Desvelar o qeu somos, apreender o que queremos fazer e encontrar ferramentas para agir no nosso mundo, é, de certo, uma válida aventura.

Parte-se da pele, e é nela, e no corpo coberto por ela, que as vozes vicejam. Trajetórias "esquecidas" pulsam. Cada momento vivido intensamente é uma eternidade, é um substrato de completude em meio à fragmentação. O grande encontro é com a ação possível e necessária que se oferece em cada presente perfeito da vida.

Nesse sentido, essa rede condutora que as muitas memórias ancestrais nos legam só pode ser visitada sem atavismos, em perspectiva intuitiva, com um olhar livre de pré-concepções. A cura é possível, mas é íntima do "não-saber" ontológico, potente diante dos encontros essenciais que experimentamos no curto período de nossa exisitência num corpo.

Encontrar-se em meio das muitas vozes é antes ter coragem de perder-se, porque tal visão pede um despojamento do olhar prisioneiro da lógica formal e das verdades, que parecem formatar o tempo Cronos. Nossa necessidade latente de controle é, em todas as instâncias, dura realidade, em bizarra simbiose com maya, a ilusão que quase existe e opera em nossas vidas. Olhar-se na rede ancestral, com olhos de aceitação e não julgamento-crítica é arrebatador e presentificador. Imanência e Transcendência possíveis.

Esse é um dos caminhos de criação e posse do mito pessoal,no qual a fala primordial ecoa. A emissão da voz, a ação de saber-se e dizer-se, realiza o mito. Diz-se que cada Ser possui um Som, uma Cor, um Canto... Reconhecer sua história, reconhecer-se na sua história, permite emitir seu som único e indivisível na rede de vozes. Ser Um e Ser Parte, conhecendo e, mesmo assim, respeitando o seu desconhecimento frente ao que deitar-se-á eternamente no leito do mistério.

Quando pensadores e poetas afirmam que seria belo fazer-se poesia, remontam às práticas da antiguidade, em que cada poema é um discurso divino que conta e reconta as ações perfeitas por Deuses e Heróis. Sejamos Deuses na Teia, no tecido do destino que atua e movimenta-se com nossas atuações, é uma dança cósmica e estamos todos aqui para dançá-la, da melhor maneira que pudermos.